Memorial e lugares de controlo

 

É da nossa experiência quotidiana de onde “retiramos as cores” para a representação dos problemas históricos do passado mas também retiramos da experiência humana de “vermos os homens a viver”(e a morrer já agora), que somos capazes de olhar em frente a realidade da “paisagem”, da memória arquitetural dos espaços que habitamos no presente mas também no passado.

Os quatro pilares forrados a placa de mármore são para mim, agora, neste momento, mas talvez também para a maioria das pessoas que passam por eles, uma última memória de um espaço desaparecido. Um espaço que já não existe mas é reflexo de todo um tempo, ideias, valores e sensibilidades, que já não existem. Ou melhor dizendo que se encontram dissimilados ou mesmo escondidos.

Escondidos estão os painéis pintados e obras de arte que decoravam o espaço do Café Rialto. Desenhado por Artur Andrade e com a participação de vários artistas na sua decoração, era um espaço bonito, de desenho e qualidade inestimável para os nossos olhos. Tudo isto visto de longe, através do óculo do tempo (60 anos) das melhores imagens do seu interior. Agora temos os quatro pilares que formavam a sua fachada para a rua. Pilares que de forma assumidamente anacrónica decido agora serem representativos ou memórias do local, da beleza escondida atrás de camadas de pladur e prateleiras de peluches chineses.  O espaço do café terá nascido durante o Estado Novo à revelia,  já não sobrevive ao seu fim, mas é morto matado pelo capitalismo ou melhor pela vaga consumista.

Com estes quatro pilares, com o seu mármore rasgado da terra e manchado pelo tempo, procuro apenas a memória. Memória para que possamos gozar, sim, nostalgicamente, o passado, mas também memórias para que nos lembremos de olhar de frente  a cidade e os seus espaços. Que com estas placas de mármore precários sejamos também “beliscados” (como diz John Berger) pelos dedos do destino e da condição humana da esperança e da ternura. Pois aqueles pilares por insignificantes e banais que nos apareçam, carregam ou podem carregar os elementos que faltam às nossas cidades e espaços, a materialidade, a honestidade, a memória, a permanecia, o desenho do tempo.

Proponho então, como com os painéis de Fra Angelico que a proposta anacrónica de voltar atrás no tempo ao olhar os pilares, ao transforma-los através do olhar em abstrações simbólicas. Como um exercício de esperança e de revolta ou disrupção do nosso olhar artístico temporalizado. Isto é, um olhar artístico que evita o anacronismo, e desvia o olhar da situação actual. O que nos aparece e problematiza mesmo na vida quotidiana.

 

“Esperança no Passado(...)” Peter Szandi  in Diante do Tempo.

 

Por cima deste pilares (simbolicamente) coloco a imagem em movimento, imagem estática literalmente de movimento da vida urbana. Entre a câmara de vigilância e o quadro de paisagem, o tempo passa lentamente e fica o nosso olhar a marcar o espaço. Ficam evidentes os limiares, a geografia, a indústria, o suburbano e o trabalho artístico.