O que resta ao Naufrago
O naufrago está totalmente disposto à sua situação precária, e resolve, com o que consegue salvar alem do seu próprio corpo, a sua salvação. As condições da sua sorte definem no melhor dos casos uma extrema economia de meios, normalmente o que conseguir carregar diretamente consigo, nas suas mãos e bolsos, ou no que possa vir ao seu encontro com as vontades das marés. Nesta situação, somos obrigados a considerar o que nos resta, para continuarmos a sobreviver. Acabamos por sobreviver apenas com o essencial. A ideia de o que é essencial parte não apenas do indispensável para a vida mas também da própria essência do ser, do pensar e do fazer. Esta essência pode não ser necessária à vida pragmática do naufrago, mas para o artista é a sua matéria. O essencial da obra de arte é a obra de arte em si mesmo, o que o artista coloca nos bolsos antes de se atirar ao mar.
Para pintar o mar (visto de terra firme), somos obrigados a uma clareza de pensamento, prende-se o que é apenas instantâneo do movimento e da luz. Ao pintar estamos a lentamente levantar uma jangada com apenas o essencial, e com o que conseguimos no momento fugaz e urgente de transportar connosco. Todas essas coisas, como no caso do naufrago, são à nossa medida, o que nos cabe nas mãos ou nos olhos, não pode ser a mais: do que do nosso pensamento e desejo. Mas o indispensável não pertence à essência da obra de arte, também o acaso como o das correntes marítimas que empurram para a costa os destroços do nosso barco, e que com cuidado também podemos utilizar para construir as nossas imagens.
Quando a jangada está formada, nada mais pode conter que possa pesar na viagem a enfrentar.
Em 1818 Gericault decide pintar sobre um acontecimento verídico, o relato de uma jangada de sobreviventes de um navio frances “Meduse” que tinha acontecido apenas dois anos antes. Os náufragos construiram uma plataforma simples com as madeiras do barco onde seguiam, 3 barris de agua doce e poucas bolachas. O que terá interessado ao pintor este tema? O mais intenso exemplo de miséria humana, mas, agora representado num momento de salvação, onde, perante a adversidade, todos os homens se tornam iguais, numa sociedade divida pela classe e pela raça. O retrato é um de ingenuidade e miséria, mas olhando com respeito e amor.
John Berger fala de um outro retrato pintado por Théodore Gericault encontrado 40 anos depois da sua morte, retrato de um paciente de uma instituição psiquiátrica. Berger estabelece que esta pintura procura uma miséria humana tal como a da “Jangada da Medusa”, para entende-la e para a respeitar. Gericault demonstra o seu amor pelo próximo, mesmo pelo mais marginalizado. Nas o escritor também diz que é estabelecido um paradigma da esperança no futuro, simbolizado pela miséria humana ou pela ânsia e dificuldade de viver e que, a partir daquele momento passaria a prever um passado e um futuro, até mesmo um futuro melhor.
Se formos responder: O que resta ao artista? Se calhar é a essência de uma visão para o futuro, uma noção de tempo que está diretamente perante a nós, não apenas de sobrevivência mas verdadeiramente de esperança.