A obra "A Terceira Mão" é apresentada na exposição coletiva "Terceira Margem", que decorreu na Casa do Campo Pequeno, um edifício histórico que funcionou outrora como escola de música no centro do Porto. Trata-se de um palacete do século XIX, com os recintos repletos de marcas de uso e um ar de estar fechado há muito tempo. Apesar do estado de degradação, ainda é possível imaginar a vida, o material e o espírito de tantas histórias que ali se desenrolaram ao longo do tempo. A instalação foi suspensa no hall da escadaria, logo após a entrada, num ambiente cercado por detalhes clássicos da arquitetura do século XIX e por uma imponente janela de vitral no descanso da escada. A instalação é constituída por uma mão e dois olhos. As três peças, grandes e suspensas, ocupam o espaço aéreo. A mão central, com cerca de um metro e meio de altura, é feita de tecido de diferentes texturas nas cores branco, bege, creme e rosado. A mão flutua com outros dois grandes olhos pedurados cada lado, emergindo suavemente do espaço, com os dedos inflados e arredondados, apresentando as extremidades douradas, sugerindo um toque etéreo, uma sensação ou gesto de bênção que pairava no ar enquanto se sobe as escadas. Cada olho tem um pequeno iris dourado no centro. Os olhos, como se de um espelho se tratassem, observam e veem. Estas evocam o olhar interior e a visão para além do visível. A mão encontra-se posicionada imediatamente acima da cabeça do observador logo que este sobe o primeiro lance de escadas, entre a escadaria e o vitral. Esta disposição pode sugerir um portal entre dimensões. No portal, o corpo físico, o corpo espiritual e a criação artística coexistem e entrelaçam-se. A mão, tradicionalmente símbolo do fazer e da materialização, adquire aqui uma conotação de natureza transcendental, como uma extensão do inconsciente que se manifesta no mundo sensível: a terceira força, a intuição.
A obra estabelece um diálogo com a noção de um terceiro corpo, um campo intermediário que interage entre a matéria e o invisível, seja ele a alma, o espírito ou a expressão do inconsciente. Deste modo, é evidente que a arte não é apenas uma produção tangível, mas um espaço de mediação entre diferentes camadas da existência.
Segundo a filosofia hermética e o ocultismo, a mão representa o poder criador, a ferramenta que materializa a ideia ou a intenção. No hinduísmo, os mudrás são gestos das mãos que canalizam energias espirituais, reforçando a ideia de que as mãos funcionam como portais entre o visível e o invisível. A mão na obra é, sem dúvida, essa ponte entre a materialização e o que está para além dos sentidos. A ideia de um "terceiro corpo" está presente nas tradições espirituais que falam de corpos sutis, como no Vedanta e no esoterismo ocidental, como a Teosofia. O corpo físico (sthula sharira) corresponde à forma densa, formada por ossos, músculos e tecidos. O corpo sutil ou emocional (sukshma sharira) transita entre o material e o espiritual. Este corpo possui três áreas (koshas) que estão interligadas: a energia vital (estrutura prânica ou pránamaya kosha), os pensamentos (mano kaya) e a consciência (vijnanamaya kosha). Os cinco ares vitais (pañcha prána) e os órgãos sutis de ação e percepção do mundo (karmendriyas) constituem o corpo energético. O complexo mental, designado antah karana (manas: mente, ahamkára: ego, buddhi: intelecto superior e chitta/vijna: consciência), corresponde ao corpo mental. A obra se relaciona com este conceito, ao sugerir que existe uma instância intermediária entre a realidade física e o inconsciente ou o espírito. Os olhos flutuantes na obra evocam o conceito do Ajna Chakra, também conhecido como o terceiro olho, que é um símbolo da intuição e da perceção para além da realidade física.
No pensamento gnóstico e em correntes místicas como a cabala, o olho representa claramente a capacidade de acessar verdades ocultas e compreender o mundo para além das aparências. Aqui, a visão é metafísica, não apenas sensorial, e liga-se à criação artística como um estado expandido de consciência. No hermetismo, o terceiro olho está ligado à perceção além do mundo material e à capacidade de aceder ao conhecimento oculto.
O hermetismo clássico não usa o termo "terceiro olho", mas esta tradição está relacionada com conceitos essenciais como a intuição, a visão espiritual e a ascensão da consciência: o hermetismo baseia-se nos Sete Princípios Herméticos, descritos no Caibalion. O Princípio da Correspondência ("O que está em cima é como o que está embaixo") sugere que tudo no universo reflete uma ordem maior. O terceiro olho é uma ferramenta para ver além da ilusão do mundo sensível e aceder a essa ordem oculta. O Princípio do Mentalismo ("O Todo é Mente") é outro princípio hermético essencial. A realidade é mental na sua essência e o desenvolvimento da visão interior (o terceiro olho) permite perceber verdades além da matéria. O terceiro olho não vê o mundo físico, mas sim o mundo das ideias, arquétipos e essências.