Alguma coisa acontece no meu coração¹
Alguma coisa acontece no meu coração é o verso inaugural de Sampa, canção de Caetano Veloso, lançada em 1978. É um relato visceral que retrata a complexidade da cidade de São Paulo a partir de um olhar estrangeiro, recém-chegado, e que busca na paisagem urbana possibilidades de auto-reconhecimento. O percurso pelas múltiplas facetas da paisagem - material, social e política - simultâneas e paradoxais, espelha o roteiro psíquico de modelação da subjetividade que entre as avenidas, esquinas, favelas, pelo movimento, tal como o próprio território, vai se ressignificando constante e radicalmente.
Embalada por Sampa, a presente comunicação parte das experiências de uma mulher-imigrante-brasileira no Porto, diariamente atravessadas pela violência da colonialidade enraizada no território, para elaborar uma leitura decolonial e feminista da paisagem da cidade. O percurso, que começa com o melhor café e segue a metodologia da pesquisadora afetada, é um convite para refletir coletivamente sobre a semiótica colonial presente na cultura visual da cidade, mas também na imaterialidade dos pactos narcísicos que regem dinâmicas de sociabilidade e definem quem pode pertencer e quem fica à margem.
Tratando-se de uma proposta feminista, esta comunicação é também um ensaio de esperança, um exercício de imaginação radical que apela aos afetos como ferramenta política promotora de mudança.
¹Excerto da canção SAMPA (1978), de Caetano Veloso.
Éticas de performance: territórios feministas e outros perfis colaborativos
Cada ato de colaboração é um ato performativo. Enquanto gesto coletivo vinculado a um pronome pessoal – nós – este movimento encena relações complexas, e por vezes controversas, formuladas através da atuação e nomeação de várias pessoas sob um grupo. A iteração do “nós” colaborativo exige por isso especial atenção à sua produção espacial, aos territórios gerados na negociação de identidades partilhadas e coletivas, simultaneamente imaginadas e materializadas em cada enunciação.
Assim, esta apresentação propõe discutir práticas colaborativas e de coautoria como ações performativas, em particular a dimensão ético-política da encenação de trabalho de criação artística e académica. A partir de teorizações filosóficas e políticas sobre amizade e afinidade contra-hegemónica, o “nós” colaborativo aqui proposto implica um processo de de-familiarização e re-territorialização de perspetivas normativas do eu, convidando a uma extraterritorialidade pessoal e coletiva. Concretamente, este pronome partilhado estabelece uma voz única e coletiva, eventualmente um outro corpo imaterial constituído, mas separado e distinto dos indivíduos que o compõem e lhe dão forma.
Atendendo à corporização e articulação escrita de perfis colaborativos, de orientação feminista intersecional, intentam-se assim identificar os contornos porosos de uma praxis e epistemologia desafiadoras de percepções normativas e discriminatórias de diferença e alteridade.
Esta análise pretende ainda contribuir para a transdisciplinaridade territorial dos estudos de performance e sua capacidade de atuação como parte de uma cultura política promotora de éticas de partilha e cuidado, assim como de transformação de pressupostos culturais e seus sistemas de representação.
Hyper-separation: fronteiras entre o outro e a similaridade
“Hyper-separation: fronteiras entre o outro e a similaridade” projeta ser uma conversa expansiva que visa aprofundar nos conceitos de otherness e sameness, perspetivando-os sobre o perfil histórico e ecológico do território e dos espaços selvagens. Constrói sobre as reflexões de T. J. Demos acerca da ideia de Hyper-separation como modelo de exclusão radical, um levantamento de questões em volta do efeito antropogénico na noção de selvagem ao longo do tempo, repensando a atual artificialização como uma procura pela similaridade destes espaços a nós mesmos.
A conversa propõe debater a transição entre otherness, como matéria hereditária, a sameness, como objeto ético romântico, demonstrando através da prática artística, incluída na exposição adjacente ao seminário, a subversão do otherness a espaços categóricos do Antropoceno. É, assim, a partir desta separação entre o sujeito, natureza e território que as imagens propostas nesta discussão procuram ser arquivo forense destas mutações invisíveis, objetivando pensar como é que futuro pode lidar com a ideia de fronteira quotidiana e exclusão de territórios por via do controlo de dados e quais as suas implicações sociopolíticas.
FRESHWATER
Project funded by the European Climate Foundations, proposed by the Anthropocutue that aims to strengthen the social movements in defense of the Albufera, through a process of accompaniment and conflict resolution, with the aim of joining forces for a greater social and political impact.
The Albufera of Valencia is a shallow coastal lagoon located on the Mediterranean coast south of the city of Valencia, 10 km away from the big city (1 million inhabitants). It occupies an area of less than 3000 hectares of water in its dry period and is surrounded by 21000 ha of rice fields that are flooded twice a year. It is separated from the sea by a narrow sandy coastal bar with dunes stabilized by a pine forest (Dehesa del Saler). It is a very fragile ecosystem threatened by human activities and the expansion of Valencia city.
Our experience in the field is the following: with the excuse of gathering their personal stories to write and draw a graphic novel of the common History of the Albufera, we have been conducting interviews with representatives of different sectors, fishermen, hunters, tourism companies, representatives of the golf course, neighborhood associations and environmentalists, biologists and political representatives, all local and biographically linked to the lagoon. The interviews revealed a strong attachment and esteem for the Albufera, accompanied by concern for its uncertain future. They feel that what affects their lagoon is far beyond their ability to intervene, such as drought, the climate crisis or at a more local level, the expansion of the port with its increased container traffic, pollution, road traffic in the middle of the Natural Park and further retreat of the beaches.
In the meantime, the links with the territory are becoming weaker. They all say that they love and desire an improvement in its condition, but feel unable to transform it, and openly express their lack of faith on the possibility of joining with other actors to write a common history so even less to lobby or organize. What happens then if the community does not want to be constituted as such? Does it take a fulminating ecocide instead of a slow death to generate a social response?
What can lead us to action both locally and internationally?
Como supervigiar seres invisíveis?
Pretende-se realizar uma exposição oral que culminará em um debate em torno das temáticas centrais da pesquisa: "Como supervigiar seres invisíveis?", abordando questões relacionadas à imigração e aos dispositivos de controle no território europeu, com foco específico nos imigrantes oriundos dos países da CPLP em Portugal. O objetivo é refletir coletivamente sobre os sistemas de vigilância instaurados na Europa, a partir dos pensamentos de Achille Mbembe sobre os fluxos e circulações de imigrantes na contemporaneidade. Além disso, a exposição busca, por meio de questões previamente elaboradas e aplicadas na performance "Emtravessias", promover um debate sobre a experiência de estar em território estrangeiro e as implicações dessa condição, com ênfase na precarização da vida social e econômica.
Thinking Vertically: On mountains, politics, and imaginative practices
Spending weeks at the French-Italian border, I see how its mountains have taken in histories of violence. Instead of narrow paths winding down the mountain, broad roads carve deep dents into the landscape. Rupturing. In an effort to invade France in the 1930s, Italian’s fascist leader Benito Mussolini had military roads and large fortifications built throughout the region. Political landscapes. In Hollow Land Eyal Weizman describes how Israeli settler colonists in the West Bank have been purposefully "constructing settlements on the high summits of the mountainous terrain” as to “achieve territorial control” (2017:12). Whereas mountains allow for offensive techniques they simultaneously provide shelter; a place to hide for those familiar with the region. “Tunnels will no doubt be dug under it through the bedrock of the West Bank mountains” (2017: 13).
Writing mountains. When considering the ways in which the past continues to live on into the present, the landscape acts not only as a witness, but also as an actor: it is formed, shaped, injured through political realities, yet it also responds. Landslides, erosion, wild fires. “All history is taken in by stones,” writes Susan Griffin, their “hard surface is impervious to nothing” (1993, 6). Considering critically the effects of human acting on the environment, it is necessary to think through these different processes. Could we find a form of knowledge making that urges us to do so? With “weather writing” Astrida Neimanis proposes a “phenomenological” writing practice, participants attune to the weather as to better understand “the reciprocal implication of human subjects and climatic natures” (2014). Could there also be a language, a methodology, that takes into account the temporality of mountains when considering such ‘reciprocal implications’? This essay proposes a poetic reading of the politics of mountains, bringing together geology, critical geography, and imaginative practices.
Tracing the Mountains: reflexões gráficas no contexto da Crítica Infraestrutural e da crise climática
Ao caminhar em direção ao alto da montanha, o que aspiramos encontrar lá? O que esperamos ver lá de cima? Esta visão do alto poderia nos fornecer algum senso de justiça neste planalto do devir?
A partir da obra “The Observers’ Plateaus”, esta apresentação visa descorrer sobre o tema da produção do espaço e indefinições de um período atual, quando, por exemplo, mais recentemente se deparou com a International Commission on Stratigraphy (ICS) negando o Antropoceno como uma nova era geológica.
No contexto da investigação baseada na prática artística, a obra “The Observers’ Plateaus” resulta de impasses e indefinições quanto a forma, matéria e conteúdo. Ou seja, produzida no contexto do projeto transnacional de investigação “From the Top of the Mountains We Can See Invisible Monuments” sobre a crítica infraestrutural e produção de espaço social, a obra ilustra os “efeitos do racionalismo ocidental e das disciplinas científicas que transformam o ecossistema vivo que constitui uma montanha numa sucessão de transições geo-históricas” (Marina Otero Verzier, para a exposição “Desejos Compulsivos - A extração do lítio e as montanhas rebeldes”, 2023).
As indefinições da obra de rigor abstrato e “simplista” que por ora se apresenta como desenho, ou pintura acrílica, ou ainda sketch para escultura ou instalação, pretende ainda questionar as próprias definições de estratificação e sedimentação situadas em uma ciência positivista, quando provocadas entre uma discursividade de exploração e novas epistemologias.
Apresenta-se neste ensaio, portanto, a manifestação de um processo como mais valia na prática artística que acompanha os impasses de um período onde nos coledimos com a congruência de diferentes crises (economicas, climáticas, migratórias, sociais) e as formas retóricas das estruturas de poder e importantes decisões.