“es irrelevante el aspecto de la arquitectura sin gente, lo que importa es el aspecto della gente en ella”

Bruno Taut


Para conhecer o bairro foi necessário conhecer os habitantes. Não só fotografá-los, mas falar, conhecer, perguntar e ouvir, histórias de agora e de antes, como lá foram parar, se gostam de lá estar, a família que têm e a vida que levam, perguntar se podemos entrar. Subir as escadas e entrar, na galeria, na varanda, na marquise, entrar na sua vida, entrar nos apartamentos. E só aí, ver o que ouvimos.


As palavras tornadas coisas pela primeira vez. Primeiro cadeiras e estendais, unicamente comuns a todos, depois as especificidades de cada um. O carro do Sr. Manuel, as fotos de família da Ermelinda, o correio da Sr.ª do guarda-chuva, a reunião das vizinhas do 1º andar, ou o amor, tornado padrão e azulejo.


O bairro cresceu com as pessoas que o enchem, por vezes literalmente. A expansão dos apartamentos com o uso das marquises manifesta os interesses de cada um, uma opinião não escrita, sobre a arquitetura que habitam, mas de de inegável valor. O alumínio e o vidro estendem o espaço privado e a noção de casa e propriedade crescem proporcionalmente. Tornam-se próprias.


Com as obras que arrancaram no exterior dos blocos será necessária a sua remoção em conjunto com as cercas. O erguer dos andaimes prevê a reabilitação de coberturas, o tratamento das fachadas e a revisão de infraestruturas de zonas comuns. Por uns momentos, na história do Bairro do Bom Sucesso as fachadas encontram-se limpas, desapropriadas. O retorno ao impróprio, ao indiferente. Ao igual que serve para todos mas que não os escuta, não os percebe, nem busca perceber.


No seu lugar, surge até mais espaço para o Sol, a conversa e a relação. O retrato das suas vidas quase se resume apenas ao interior, mas as obras hão de terminar. Mais uma vez as paredes cor de salmão não serão suficientes para segurar as suas coisas e vontades, e nelas serão reescritas as histórias antigas e escritas novas. Um palimpsesto contínuo, com a esperança de vida dos blocos e os rastros das múltiplas vidas que os habitam.

 

Nos anos 50, o bairro aparece como resposta ao problema de insalubridade das ilhas portuenses. É o primeiro projeto do Plano de Melhoramento para a Cidade do Porto. O tecido urbano intensificou-se e o bairro permaneceu. Esquecido no tempo e no espaço. A única marca restante na sua envolvente imediata é a rua Gonçalo Sampaio, atravessa-o, relembrando-o de que não avança. Segrega-o e divide-o em dois polos. Desmembra-o, contribuindo para o isolamento dos seus habitantes. Desconectados não só da cidade, como uns dos outros. Resta-lhes apenas a relação com o respetivo apartamento. E ao apartamento a relação com o prédio e com o bairro. Criam-se então espaços inabitados. Espaços exteriores de estar deixam de o ser e só lá passa quem precisa de lá passar.


É criada uma bolha em volta do terreno, com vista para fora, mas foco no interior. A população isola-se e só sobra a apropriação pessoal e ímpar do espaço respetivo a cada fogo por cada inquilino. Esta foi a genesis desta coleção. O retrato como elemento de ligação entre o espaço e a pluralidade da sua apropriação no bairro. A conexão indivíduo - espaço e a realidade que este conjunto constitui.


Utilizando a lógica de Thomas Struth, depois do processo intelectual de compreensão do bairro, a foto já estava praticamente tirada. Mesmo nos seus estudos de Düsseldorf e New York, as perspetivas parecem relacionar-se mais com o vazio do que com os edifícios. Capturas de ruas que, por si só, capturam o ambiente da cidade. É isto que se pretende no bairro do Bom Sucesso e aprofunda-se com retratos semelhantes ao projeto The Others, por Carlos Azeredo Mesquita. Neste caso procura-se a perspetiva mais real da cidade, de uma cidade, e a investigação uniforme de indivíduos.



De que modo o espaço os influencia? E mais importante, de que modo enchem o espaço?