A proposta parte da pesquisa das águas urbanas no território do Bonfim e as práticas sociais historicamente ligadas a elas, tendo como foco principal os espaços coletivos e públicos de majoritária presença feminina utilizados para reprodução social desta comunidade nos séculos XIX e XX.
É notável a presença de arquiteturas de domesticação, manejo e contemplação das águas neste lugar: ruínas de uma arca d’água, lavadouros para higienização das roupas, fontes d’água para utilização e para contemplação. Em simultâneo, neste palimpsesto urbano, a invisibilização dos cursos d’água canalizados e os pontos onde a força das nascentes furam o controle do projeto de cidade são também presentes. A água é aqui entendida como espaço relacional comum, base do trabalho, residência, trocas materiais e sociais destas comunidades.
Federici (2018) afirma que os “novos cercamentos” em curso nas sociedades neoliberais demonstraram que os comuns não desapareceram, pelo contrário, novas formas de cooperação estão em curso em formatos que anteriormente não seriam possíveis, como a internet. Os comuns são, para a autora, uma prefiguração das sociedades cooperativas, consolidando uma alternativa tanto ao Estado, quanto à propriedade privada e ao mercado.
A investigação pretende cartografar as águas, os espaços públicos e as práticas sociais entre as ruínas de Mijavelhas e os Lavadouros das Fontainhas. Cartografar as águas é identificar os comuns, é mapear as histórias contadas ao lavar roupas, as trocas materiais feitas junto às fontes, os ritos espirituais, as músicas de trabalho entoadas coletivamente. Interessa perceber onde estas trocas continuam a acontecer no momento presente. Interessa perceber como potencializar e construir novas práticas de commoing neste território social.
Considerando que “o território é o chão mais a população” (SANTOS, 2003), o método de trabalho perpassa por um mapeamento de corpo-presente, a partir do percurso dos cursos d’água, conhecer as águas visíveis e as invisíveis, as memórias, e, acima de tudo, identificar as práticas do agora, os espaços autônomos e de resistência onde o trabalho reprodutivo e o trabalho de cuidado podem ser potência para um devir comum. Neste sentido, espaços como a Horta das Bananeiras e seus habitantes, o restaurante da Filó, ainda a Escola e mercado de frescos da Praça da Alegria são lugares previamente identificados por seu poder agregador e multicultural nesta comunidade.