INNERE GESANG / INÚTIL
Bruno Pereira
 
Bruno Pereira holds a degree in lyric singing from ESMAE-P.Porto and a postgraduate degree in opera from the Vlaamse Opera Studio (Belgium). After an intense activity in the field of opera and lyrical singing, he has been developing a regular activity in the field of contemporary performance with the creation and presentation of experimental works in collaborations with artists such as Girilal Baars, Dimitris Andrikopoulos, Horácio Tomé-Marques, Rui Penha, Rodrigo Malvar, António Aguiar, Telmo Marques, Oyvind Brandstegg, Mário Azevedo or Fernando José Pereira. He holds a PhD at FBAUP and is a member of i2ADS, where he researches the voice as a device of aesthetic interaction in contemporary performative practices. Professor at ESMAE-P.Porto.

 

 

INNERE GESANG

Voice, Performance

Bruno Pereira (28.04.2021). Innere gesang v.3 [Improvisation]. Sala Preta: ESMAE, Porto, Portugal. 

INÚTIL

Voice, Performance

Bruno Pereira (04.06.2022). Inútil [Improvisation]. ESMAE, Porto, Portugal. 

 

O meu processo experimental tem vindo a questionar-me sobre a aproximação a uma expressão performativa mais autêntica da minha visão do mundo. Os tempos conturbados em que vivemos promovem a degradação de uma expressividade pura e constituem um bálsamo para um fazer polido que consola as expectativas predominantes, dificultando o mergulho profundo na essência do que há para ser dito.

As criações performativas aqui partilhadas (innere gesang [1] e Inútil [2]), derramadas diretamente de processos experimentais, procuram sustentar a metodologia da minha investigação artística numa relação espiral entre um fazer e a respetiva reflexão crítica que instiga um novo fazer, carregado de um gesto desejante. Ainda no domínio da metodologia parto do pressuposto de que não há desenvolvimento performativo fora da sua própria prática. 

Nesta tal espiral em busca de um território utópico de liberdade é essencial saber escutar. Aprender a desaprender [3] para que a minha visão do Mundo esteja desligada de mim mesmo. Descarta-se, concetualmente, o sujeito de si mesmo como forma de permanente auto reinvenção ao mesmo tempo que se procura ceder espaço à constituição de uma nova linguagem que existe para além do sujeito [4], do músico, do performer. É a possibilidade Foucaultiana da criação de uma linguagem que não é falada por ninguém, onde aquele que fala apenas lhe impõe uma dobra gramatical [5] exteriorizando-a, na efemeridade. 

 

Innere gesang demonstra a profunda conexão do sistema pensamento-voz-corpo e discute a singularidade da voz como voz, conduzindo-nos a uma expressividade mais próxima da canção interior que deseja ser partilhada. Aqui a voz surge como um dispositivo expressivo de interação estética desse som interno, dessa canção interior. 

Inútil é uma especulação sonora/performativa sobre a inutilidade da performance. Parte do desejo de escavar uma performance inútil, inatual, inoperativa, inclassificável, intrometida, inesgotável, insaciável, independente, intencional, intensa, interior, interativa, indomável, inquieta, ineficiente e surge no processo de investigação de onde também se destaca a escrita de um artigo com o título Rumor utópico do som em colaboração com Mário Azevedo [6].

My experimental process has been questioning me about the approach to a more authentic performative expression of my vision of the world. The troubled times in which we live promote the degradation of pure expressiveness and constitute a balm for a polished act that relieves prevailing expectations, making it difficult to dive deeply into the essence of what there is to be said.

The performative creations shared here (innere gesang [1] and Inútil [2]), poured directly from experimental processes, seek to sustain the methodology of my artistic research in a spiral relationship between doing and critical reflection that instigates a new way of doing, charged with a desiring gesture. Within the domain of methodology, I start from the assumption that there is no performative development outside its own practice.

In this spiral searching of a utopian territory of freedom, it is essential to know how to listen. Learning to unlearn [3] so that my vision of the world is disconnected from myself. Conceptually, the subject is discarded from oneself as a way of permanent self-reinvention, while at the same time trying to give space to the constitution of a new language that exists beyond oneself [4], the musician, the performer. It is the Foucaultian possibility of creating a language that is not spoken by anyone, in which the one speaking only imposes an ephemeral grammatical fold [5], externalizing it.


Innere gesang manifests the deep connection of the thought-voice-body system and discusses the singularity of the voice as voice, leading us to an expressiveness closer to the inner song that wishes to be shared. Here, the voice appears as an expressive device for the aesthetic interaction of this internal sound, this internal song.

Inútil [Useless] is a sound/performative speculation about the uselessness of performance. Part of the desire to excavate a useless, non-current, inoperative, unclassifiable, intrusive, inexhaustible, insatiable, independent, intentional, intense, inner, interactive, indomitable, restless, inefficient performance that stems from the research process, of which the writing of an article entitled “Rumor utopico do som”, in collaboration with Mário Azevedo [6], is also a part.

1. Excerto (não editado) de uma sessão experimental de 1h22. Gravado em abril de 2021.

2. Excerto (não editado) de uma sessão experimental de 43 minutos. Gravado em junho 2021. 

3. Caeiro, Alberto (2014). O guardador de rebanhos. Centroatlantico.pt. Trabalho original publicado em 1946.

4. Foucault, Michel (2015). A escrita de si. In O que é um autor? A. Cascais & E. Cordeiro (Trad.). Nova Vega.

5. Foucault, Michel (2018). La pensée du dehors. Fata Morgana.

6. Azevedo, Mário & Pereira, Bruno (2020). O rumor utópico do som [The utopic sound rumor]. VIS Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UnB, 19(2), julho-dezembro, 179-204. ISSN 2447-2484. https://doi.org/10.26512/vis.v19i2.35403 

Se a existência precede a essência (Lacan) o que pode a voz? O que sabemos do seu poder? Pode uma experimentação tornar-se o território ideal para a voz regressar ao seu estado adâmico, aquele onde experimentamos, pela primeira vez - lembram-se - sairmos de nós, em direção ao mundo? Pode a voz, alguma vez, voltar ao princípio? O que significa, então, experimentar com a voz? A inversão, ou a recriação do mundo? Há quanto tempo não ouvimos a voz fora do ritual da metáfora? Pode a voz, hoje, ser um antídoto que faça esmorecer a força do espetáculo e do simulacro em que estamos todos submersos? Pode a voz, mais ainda, ser o advento e a promessa infinita de acontecimentos? Pelos vistos, sim!

 

 Mário Azevedo

If existence precedes essence (Lacan) what can the voice do? What do we know about its power? Can experimentation become the ideal territory for the voice to return to its adamic state, the one where we experience, for the first time – you remember - leaving ourselves, towards the world? Can the voice ever go back to the beginning? What does it mean, then, to experiment with the voice? The inversion, or the re-creation of the world? How long has it been since we heard the voice outside the ritual of metaphor? Can the voice, today, be an antidote that weakens the strength of the spectacle and the simulacrum in which we are all submerged? Can the voice, even more, be the advent and the infinite promise of events? By the looks of it, it can!

 
Mário Azevedo

This exhibition is part of the seed-research project "PÁR-A-GEM - the importance of Time in contemporary artistic practices in times of time compression",  of i2ADS.


PÁR-A-GEM is an experimental lab of time-based practices to rethink contemporary approaches to the perception and apprehension of time under its current compression in artistic practices.